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terça-feira, 26 de junho de 2012

É CRÓVIS!

Adorava comentar, mas nunca soube de onde vem o jeito moradense de falar. Espichando certas partes das palavras, fazendo parecer que está enfezado. Sabia que, dos mais velhos, o “Seo” Delor era o que mais falava assim, ressaltando o tanto que era irritadiço – sistemático, como diziam. Já ouvira contar que, uma vez, um engraxate quis agradar. E começou a dar lustro no sapato dele, batucando um samba com a flanela. Mas ele não gostou. Tomou a flanela. Pegou com uma mão em cada ponta. Colocou em cima do sapato, enquanto falava bravo: “Desgraaaça, é assiiim, ó!” E esfregou de um lado pro outro, com tanta força, que até arrepiou a graxa do sapato, ao invé de alisá-la.
Diziam também que, quando o Juscelino foi eleito, pelo PSD, ele não gostou, porque era da UDN. E ficou tão indignado com o rádio, que não parava de anunciar o número, cada vez maior, de votos que o Juscelino tinha de frente, que pegou o rádio e jogou dentro da cisterna. Antes de cair no fundo, o rádio ainda falou “Juscelino, tantos votos na frente, agora!” Aí ele pegou um tijolo e mandou atrás do rádio, xingando “desgraaaça”.
Lembrava também que, na década de 70, dois grupos de jovens, tendo assimilado esse jeito de falar, levaram-no ao auge. Eles haviam de perdoar, se não gostassem de ver seus apelidos citados, mas é que, se dissesse os nomes deles, de certo ninguém ia saber de quem estava falando. Isso sem falar no tanto de graciosidade que a conversa ia perder. Pois é, lembrava do Zé Bermuda, do Murrinha, do Clóvis (cujo apelido era Clóvis mesmo), do Tunim, do Rodney, do Enes, do Gonzaga, do Bagunça, do Carroça, do Canoa, do Bigário... Do Magela, do Grilo, do Dunga, do Inclusive... Eram dois grupos, meio de lados opostos. Um deles pertencia às famílias que administravam negócios e o município, e moravam na região central de Morada Nova ou nos povoados do Junco e do Traçadal. O outro era de pessoas que trabalhavam nas pequenas fábricas, nas oficinas, nas carvoeiras, nas fazendas, e moravam na Varginha ou no Açude. Mas havia motivos, até de ordem prática, para que os dois grupos tivessem uma interação. A cidade, muito pequena. Estudo, trabalho, farra, tudo muito perto, muito junto e misturado. Nos dois grupos havia gente começando a ser caminhoneiro e, no segundo deles, chapas de caminhão. Também os filhos de fazendeiros, pela natureza dos serviços, tinham trânsito livre nos dois grupos. Mas o principal ponto de encontro dos dois era a mesa de sinuca do Bar do Sossego, ou d`O Tranqüilão. Além do mais, todo moradense é muito gente boa. De modos que se davam muito bem, quando não estavam brigando. 
O Clóvis era muito novo para ser chamado de sistemático, mas ele era bem impaciente. Por isso era ele que mais carregava no jeito moradense de falar e certa vez, vendo o Bagunça chegar todo empoeirado, foi logo perguntando:
_ Daonde `cê eeemveeem sujeeeito?
_ Do Juuunco, tem baase?
_ Pra que qui `cê foooi?
Assim, várias expressões surgiram naquele tempo: qualquer coisa que causava admiração era “ô treeem!”, ou um “trem adubaaado!”, uma mulher boa era “peixããão!”, uma moça podia ser bonita ou “bunita demaaaais, sô!”; ou então ela era “bonita, mas não era boniiiita, não”. Inclusive foi nessa época que o Esmeraldo lançou o seu bordão, que tanto servia para exaltar quanto para reclamar de Morada Nova; “Uuuuuh, Morada!”, ou então “Uh, Moraaaada!”
Naquela época havia também alguém que trocava o L por R. E isso caiu na graça desses dois grupos que vinham caprichando no sotaque, na hora de falar. Então, o Clóvis virou Cróvis. E, sempre que alguém fazia uma perguntinha idiota (dessas que têm a resposta tão na cara que nem deveriam ser perguntadas), alguém respondia sempre:
_ É craaaro, Cróóóvis!  
E, pra caprichar mais ainda, iteirava:  
_ Incrusive o Creeero, o Crááuudio, o Crariiindo! 
E assim se passaram os anos e, como tudo que atinge seu auge tende a atenuar com o passar do tempo, já estava achando que o sotaque moradense já tinha desaparecido. Mas, não é que num dia destes a sobrinha Fernanda, de apenas sete anos, tão irritada com uma pergunta idiota de uma coleguinha dela, simplesmente resumiu, assim, sua resposta? 
_ “É cróóóvis!”
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