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sábado, 18 de dezembro de 2010

Êxodo pra Todo Lado


Há poucos dias vi as fotos que o Harley fez em Pindaíbas, no município de Morada Nova de Minas. Confesso que senti uma misturega de alegria em rever aquelas paragens, saudades e um certo desgosto devido ao ar de abandono que as fotos denunciam. Aquele povoado já teve muitos habitantes e as marcas das rodas dos carros de bois, cravadas na Pedra Preta, mostram quão grande já foi o movimento por lá.
Atualmente, devido à perfuração do primeiro poço que irá explorar a extração de gás natural naquela região (não exatamente no povoado), os nomes de Morada Nova de Minas e Pindaíbas ganharam grande repercussão. Provavelmente toda aquela região voltará, aos poucos, a ser repovoada. Enquanto isto, para inaugurar minha participação no Blog do Harley Moura, publico uma reflexão sobre o êxodo que, em meados do século passado, ocorreu em Pindaíbas e adjacências, como nas zonas rurais, nos povoados e nas pequenas cidades do interior do Brasil.

ÊXODO PRA TODO LADO
Dava pra evitar não. Toda vez que ouvia aquela lamúria, tinha que contar de novo pra ver se ia servir de consolo:

Foi só por causa da represa nada, sô. A gente de Morada é que pensa. Mas como é que na Moradinha, no Canastrão, que teve represa nenhuma, também o povo sumiu tudo? Até na Boresca teve uma queda muito grande, que só melhorou com a chegada do asfalto, tanto tempo depois.

Pra ficar só ali entre o Abaeté e o Indaiá (que é o pedacim de Minas que conhecia mais), do mesmo jeito que Morada tinha o Traçadal, a Erva, a Pindaíba, tudo cheio de gente, São Gonçalo tinha a Lagoa, a Lagoinha, a Candota. O Campo Alegre (que era alegre, mas meio proibido). Ainda tinha a Moradinha e o Mato Seco, lá pras bandas de Tiros. Tudo isso era Povoado. Cada um tinha seu time de futebol, com primeiro e segundo quadro. Uns tinham até o campo. Siô, tinha gente sem base! E fazia muito tempo, porque cada um tinha um cemitério. A Moradinha, achava que teve até Comarca. Pelo menos Cartório teve, pois lembrava de gente falando que ia lá tirar documentos.

A Lagoa tinha as quatro ruas cheias de casas em volta da capela. E em volta da Lagoa toda, em toda fazenda ou fazendinha, um tantão de gente morando. Em sessenta, quando era criança pequenininha, ainda era assim. Tinha a casa da Escola Francisco Nunes, onde a professora morava com a família dela. O casarão bonito, de portas e muitas janelas grandes. Que mais tarde foi da Arlete mais o Braz Barbosa. A casa dos pais do Abelo, que dava Duda, mais tarde explicada como "Ataques de Epilepsia", metendo susto e medo em todo mundo. Meio fora da rua, o Jonas. A casa com a vendinha do Sô Nhoca. Uma cagaiteirona na porta, dando sombra pros animais. Um bambu seco muito alto, fincado no chão, com uma argola enfiada. Na argola uma corrente. Na outra ponta da corrente, um macaquinho amarrado pela cintura. Jogava bala pra ele, numa distância maior que a corrente, só pra ver ele pegar uma varinha e puxar a bala pra perto. Depois ele descascava a bala e comia. Parecia a gente. Assim dum lado tinha um pau fincado, com uma casinha de tábua lá na ponta, pra onde ele fugia quando a coisa apertava pra ele cá no chão, ou pra dormir. A argola ia riçando pra riba no bambu pra deixar ele alcançar a casinha da ponta do pau. De vez em quando, ele subia no bambu e tirava a argola pela ponta e descia de novo e fugia. Era uma correria na praça pra prender ele de novo. Depois tinha a venda do Machado, uma outra família que não lembrava qual. A loja do Geraldo Cândido. Já meio fora da rua, o Constantino. Uma tapera, não sabia de quem. A casa onde morara. Que depois foi do Déia. E a casa do Neném Luca.

De tardinha, muita gente sentava nos passeios das casas pra conversar. É, naquele tempo as casas já tinham até passeio de cimento. Umas delas tinham umas argolas chumbadas. Pra amarrar os cavalos. O do casarão era alto assim. De modo que podia amarrar os animais sem ter que agachar.

Rá, se tinha. Sábado à tarde e domingo, então, chegava a faltar argola. Era preciso amarrar cavalo nas cercas. Dia de festa de igreja na capela, então – chegava no meio da praça e olhava assim em roda. Via cerca não. Só bunda de cavalo amarrado.

Já em setenta, quando voltara pra lá uns anos, pra trabalhar, já não estava mais assim não. Quando ia pra Pindaíba, ou entregar leite na divisa de Tiros, era preciso que alguém avisasse que aqui já é a Candota. E via só a estrada, uma tira de mato alto, a grota e umas casinhas, não sabia de quem, no meio do provisório, debaixo dos paus. Antes, quando ia passando a cavalo, dava um grito cumprimentando, escutava um tanto de respostas. Parecia um eco. Agora, se parava o carro e gritava, só ecoava o silêncio. Dava até um trem ruim. Perto do cemitério do morro, então. Dava até medo. A caminhonete custava pra passar, porque no morro a estrada estraga mais. E ficava vendo aquele deserto. Só pedra tapiocanga. Fazendo a cerca. Marcando as catacumbas. No meio do campo ralo. Um cruzeiro velho, de madeira velha, estorvando o céu. Se um grilo campainha desse de voar, então, os cabelos até assungavam o chapéu. “O Campo Alegre é logo ali.” Sabia que tinha umas mulheres lá, mas não ia. Só olhava. E não via nem uma casinha no meio do mato. “Lá é a Moradinha”. E via, de longe, um espigão de toá, cheio de peleiro, com uma igreja grande e umas casas antigas e velhas.

No Gerais já tinha mais gente que na Lagoinha. Na Lagoa tinha só três morando. O Luquinha, o Braz Barbosa e o Aristote. A professora vivia dizendo que era “Aristóteles – proparoxítona” (trem metido), mas, fora da aula, a gente falava era Aristote memo uai. Até os filhos dele.

A lagoa d’água... só no grosso das águas é que juntava água.

Mas hoje em dia... Está muito pior. Tá certo, tem até mais conforto: luz elétrica, água encanada, telefone. Dicerto que tem. Mas tem menos gente ainda. E a lagoa não enche nunca mais. Até o Zezé Magalhães, que adora aquilo ali, já está desgostando. Pois é, e não teve represa nenhuma. Foi outra coisa. Quem sabe?...

Um comentário:

Harley Moura disse...

Donizete,
A inauguração da sua participação neste blog não poderia se dar em melhor estilo. Sou um profundo admirador dos seus textos e a cada dia você se supera e nos surpreende com tanto conhecimento e com tanta habilidade para se expressar. Este texto ficou magnífico e retrata muito bem, parte da história de Morada Nova de Minas e um pouco das adversidades enfrentadas pelo município e por nossos conterrâneos. Além do mais, gostaria de expressar através deste comentário, a honra e a satisfação em tê-lo como membro colaborador deste novo espaço.
As fotos de Pindaíbas as quais você se refere, podem ser visualizadas através do link http://www.flickr.com/photos/harleymoura/sets/72157625378297795/

Grande abraço e obrigado por fazer parte de uma equipe que tem grande amor pela sua terra natal!