Outono, Inverno. Primavera, Verão. Quatro estações. Sertão tem isso não. Isso é coisa lá das "Oropas"... Das "estranjas". Sertão tem é duas estações só: as Águas e a Seca. A das Águas vai, maisomenos, de Outubro a Março do outro ano. E a Seca, de Abril a Setembro. Neste tempo o sertão fica muito feioso: tudo seco, tudo empoeirado, tudo enfumaçado. É nesta época que cada um faz a sua queimada. Inclusive a natureza, com a combustão espontânea, por causa dos raios, do calor ou... sei lá por causa de quê. Mata o chão. Mata os bichos. Mata o mato. Mata a mata. Mata-mata. Só quando entram as águas é que a alegria começa a voltar. Com fartura. Com a vida. Viva! Viva!
PAPO DE MIGUEL
Já disse mesmo lá de longe, meio explicativo: Me conhecendo não, sô? Eu sou o Miguel. É... da Naná. Lá do Brumadinho. Isso!...
Se eu estou aqui colhendo carrapatinho? Não, estou batendo esta varinha de marva, aqui, nas pernas da calça, é pra bater a poeira. ’Qui embaixo tem carrapatinho não. Esses cachorros aí é que estão cheios de carrapato: vez em quando a gente topa uns já gordinhos assim, aí no chão, perto dessa grama.
Chuva e fogo não adiantam não. Está precisando chover é para lavar essa poeirada. Olhaí, os paus estão cheios de poeira.
Está na época nada. Dois meses nada. Setembro, Outubro, nada. Está chovendo, agora, é lá pra Novembro, Dezembro.
Lá em Brumadinho, na serra que hoje é da Copasa, pegou fogo no mato. O prefeito mandou a gente ir lá ver. Tinha morrido boi na cabeceira da água. A dois quilômetros a gente já sentia o cheiro de churrasco. Fum!...
Na cabeceira não devia de ter morrido não, porque lá na cabeceira, pra ir, a pé, quase não dá pra ir. É muito difícil de subir.
E o prefeito: “Mas vocês vão lá assim mesmo - que o Vicente já está espalhando por aí que os bois morreram foi n’água. Vocês vão lá e levam ele”.
É? Então lá também aconteceu? Foi na fazenda do seu avô, é? Aonde, lá em São Gonçalo? Não? Lá ni Morada? Ah...
...Quer dizer que o corisco caiu num pau lá no mato? Deve ser aroeira. Aroeira cresce muito. É uma praga pra puxar raio. E o danado correu pelo arame da cerca e matou as doze vacas?! Lá no campo, longe? Nossa!! Dizem que nem urubu come a carniça quando é assim.
Credo!
Quantos bois morreram...? Todos que estavam lá morreram. Eles queimaram tanto que uns ficaram um toquinho preto assim. Outros ficaram com o corpo preto, com aquelas rachaduras compridas. A gente vendo aquela banha amarelinha!
Esse Vicente, que é muito conversador. Falou que os carrapatinhos sobem na fumaça. Quando o fogo passa, eles descem de novamente. E nós tivemos que acreditar nisso, porque não tinha outra explicação não.
É... agora está na hora é das queimadas mesmo. Mas nem fogo dá conta desses carrapatinhos. O fogo pegava nas toceiras de capim e mandava aquelas línguas. Dez metros pra frente. O moço que foi salvar os bois quase morre queimado também. Teve que largar os bois e fugir correndo pra não queimar.
Foi raio não. O homem que tocou fogo lá no mato, coitado, tinha feito um roçadinho assim, do tamanho de um lote, menos ou mais. Então ele tacou fogo ali e passou pra mata.
Aceiro? Fez não. Ele já era assim de idade. Então ele fez já de acordo com o tanto de serviço que ele ia dar conta de tocar. Assim, do tamanho de um lote.
O lugar onde os bois morreram, só quem viu acredita. Tinha uma aguinha assim. Um corguinho de nada. Tinha cerca não. Tinha era um pau de assapeixe dessa finurinha. E um arame espichado. Era só pra marcar a divisa. Nem o corgo não servia de tapume nenhum não. Os bois foram fugindo, foram fugindo... Chegando lá, começaram a andar em roda. Arrebentaram a cerca não. Ficaram ali até queimarem. Ninguém entende porque. Nem era cerca, não, era só um arame e a agüinha do corguinho!
Lá, aonde o fogo passou, não ficou nada. Ficou limpo assim. Ainda tinha uns toquinhos fumegando. E, nas pontinhas dos tocos que tinham sobrado, nós vimos lá: tinha aquelas pelotinhas deles lá. Nós ficamos sem entender: como é que podia ser, aquilo?. Tinha jeito não, sô: como é que ia queimar só os de fora da pelota e os de dentro não iam morrer? Só o calor... pois era chão de capim, que queimou rápido, e mesmo assim os bois queimaram de rachar o couro!... Quando a gente chegou lá, os carrapatinhos já tinham era pousado de volta. Decerto!...
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