Percebia, com tristeza, que hoje em dia acham que contar caso é só pra fazer rir. Mas sabia que antigamente, não, os casos eram contados também por outros motivos: dar notícia de lugares distantes, incutir valores de religiosidade, moral, comportamento, ideologia política...
Tinha certeza, ninguém ria de muitos dos casos que contava. Num tinham graça nenhuma. Riam era do jeito que contava. Do linguajar que usava. O caso do Anrique, por exemplo. Que graça tem? Só se for na metideza dele, de querer falar diferente do caipira que ele era. Aliás, ele era caipira duas vezes. Primeiro, porque era da roça e, depois, por que tocava música sertaneja na sanfona. Música sertaneja, naquele tempo, era chamada de música caipira e quem tocava era os caipira. Ele tocava bem demais da conta, mas não gostava de falar feito caipira de jeito nenhum. Então, um dia raro, ele desceu lá do Acá, onde morava e apareceu lá no Oco. Tinha madrugado, porque, quando chegou, o Nego Roque mais o Zé Tiano, o Luquinha e o Zé Caboco ainda estavam tirando leite. Ele chegou e ficou por ali, prosiano. Aí, teve uma hora que ele recordou uma coisa e perguntou:
- Ô, Nego, você se lembra daquela vez em que roubei uma torquês de vocês?
Até aí, nenhuma risada. Todo mundo oiano pantonte, com jaez de quem não entendeu nada. Mas, quando contava a resposta do Nego Roque...
- Ô, Trem Besta, num tá veno que é “aquela veiz que robei uma truqueis d’oceis?”
Aí, sim, o povo rolava de rir.
Pois é, desde quando ainda era mininiho piquititinho reparava no jeito de falar das pessoas. A Dona Leivina, então, velha como era e falando daquele jeito, devia de ser filha de escravos e ainda ter sotaque de alguma língua africana. Podia até ser por causa da falta de dentes, mas muita gente era sem dente e não falava assim!... Ela soltava uns blop antes das palavras. Quase não entendia nada que ela falava.
Outra coisa que achava intrigante era porque que o Passo-preto é chamado de Passo-preto? Preto, tudo bem. Ele é mesmo todo preto – olho preto, penas pretas, canela preta, pé preto... Mas Passo? Porque Passo? Não tem nada diferente no passo dele. Ele anda igualzinho os outros passarins, saltitando, pululando... Então, porque Passo? Só mais tarde, já mais grandinho e estudando, é que aprendera que passarim também é chamado de Pássaro. Aí, aos poucos, foi entendendo: esse tal de Passo era pra ser Pássaro – Pássaro-preto. É... mas achava esquisito. Passo-preto é mais bonito. Pelo menos é melhor de falar. E, se falasse Pássaro-preto, iam rir igual riam do Anrique... E tem outras coisas: córrego é corgo, abóbora é abobra, espírito é isprito, úbere é ubre, estômago é alguma coisa entre estambo e estame, se um lobulozinho é lobinho, lóbulo é lobo. O sapo, que é o "De Cócoras", ficou sendo o Dicroque, ou Dicoque. Música é musga. Dúvida é duda. Furúnculo é furunco.
Túmulo?!... Ara, túmulo é... Catatumba... Sipultura...
É... é divera, sem duda nenhuma, o povo da roça, que estudou pouco ou nada, não gosta mesmo dessas palavras esdruxas. As tais proparoxitas, lá da escola. Também puderas, a gente quase bebe o forgo no meio delas! E devia de ser isto que explicava o nome do Galo Musgo.
Parecia um mito, mas os caipiras, que adoram uma cantiga de galo, viviam falando que tinha um jeito de fazer um galo musgo, que cantava mais e melhor que os outros, que devia de ser, então, um Galo Músico. Todo mundo morria de vontade de ter um, mas ninguém sabia direito a receita nem tinha coragem de aprender. Esse negócio de sampatia era pra uns poucos, que tinham lá seus mistérios com as coisas de Deus. Além do Galo Musgo, tinha o Galo Capão, que era capado pra ajudar as galinhas a criar os pintinhos. Não sabia se ele era capaz de emperrear e chocar. Mas lembrava do galo nanico, tão bonito, cheio-de-longas-penas, furta-cor entre o vermelho, o preto e o azulão. Tinha crista vermelha-grande e duas enormes esporas brancas de tão velhas. Ele falava choco(^) e chamava os pintos, porque era capão. De modos que, de tão gordo, morreu de cansaço num dia muito quente.
Mas esse negócio de contrariar a natureza das coisas dava um medo! Todo mundo achava melhor ficar só com o galo comum, o Galo Malandro. Que bibiricava um bago de milho no chão, cacarejando grosso, oferecendo o agrado pras galinhas. Nessa hora, umas penas do pescoço dele arrupiavam, formando uma argolona de penas, assim. Ninguém sabia se era de propósito, mas, que a coisa ficava mais séria com aquela argola, ah, isso ficava! As galinhas vinham desesperadas pra ver o que que era. Mesmo quando alguém jogava um punhado de milho pra eles, elas passavam por cima dos grãos tudo e corriam direto praquele que o galo oferecia. E, quando a primeira chegava perto, enquanto ela bicava o grão de milho, ele já mudava o cacarejo e ia andando em roda dela, brabo, caprichando mais na argola do pescoço, espichando uma das asas e passando as unhas do pé por debaixo da asa, fazendo barulho nas penas. Logo-logo dava uma bicada na cabeça dela, prendia o bico num capucho de penas, fazendo ela aninhar e... Subia nela. Mas a malandragem do galo não parava aí, não. Com o tempo ele aprendia a bicar uma pedrinha ou um trenzim qualquer, fingindo que era um caroço de milho. Só pra tapear e pegar as galinhas. Ninguém sabia quem era mais malandro, se o galo que fingia oferecer um milho, ou se a galinha que fingia acreditar...
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domingo, 11 de dezembro de 2011
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